quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Passado

Poucos sabem, fui mimado
Em berço de ouro fui criado
Beijos e abraços eram rotina
Sombra protegia minha retina

Poucos sabem que me rebelei
Perdi a noção do que já usei
Praças e túmulos abrigavam
Os segredos que se criavam

Poucos sabem o que passou
Ninguém viu que agora sou
As sobras de um consórcio

Você saberá daqui a pouco
Que meu canto já está rouco
E eu topo qualquer negócio

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nuvem Escura

Parece que vai chover
Turista chora de tristeza
Roceiro vai agradecer

O chão tá de boca aberta
Que água caindo na certa
Faz tocar o acordeão

Ventania sacode o ipê
Trovão faz terra tremer
Manda embora calmaria

Pássaro corre pro ninho
Moleque sai de fininho
Toma banho de alegria

Depressão Súbita

Acabei de ter dois minutos de depressão. Pensei no meu suicídio, nos meus pais chorando e na cerimônia religiosa cafona que me fariam passar só porque morri. Veio tu na cena, com a cara mais pra lá que pra cá, e eu pisquei. Num instante vi minhas unhas, cheias de manchas brancas e pensei:
Que mentirosa!
A minha vida tem felicidade pra mais de metro.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Escuro

É o quarto de manhã
Escurinho, quieto
Quando completo
Meu velho talismã

É o fundo do cofre
No final do mês
Quando toda vez
A barriga sofre

Escuro fica você, fica um breu só
Parece que não vou mais te ver
Parece que vai dar um nó

Sombra te faz achar que consume
Mas eu te digo que vou clarear
E encher teu cabelo de vagalume

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Encontrando Júlia

      Cirila estava com sua irmã, as duas pelo caminho de terra da roça de Chiquinho Galheiro, sedentas para chegar em casa. O sol já estava alto, não que fosse um problema para as jovens, pelo contrário. Era sinal de que o almoço já estaria na mesa quando chegassem, seus noivos sentados na mesa comprida de madeira velha e desgastada de cupim. Ninguém saberia de quem estou falando se eu contasse uma história sobre Cirila. Seu nome era desconhecido por motivos que só quem mora em uma cidade pequena conseguiria entender. Dude, Cirila de RG, pisou em falso e fez um silêncio de medo, daqueles que se seguram no ar para recuperar o equilíbrio. Foi aí que pode escutar um choro vindo do seu ouvido direito. Pediu pra irmã se aquietar e escutar aquilo junto com ela. Eram duas crianças. Uma gritava, outra chorava e algum animal fazia um som aterrorizante, quase como se fosse um filme de terror daqueles que sua bisneta iria sentir tanto medo de ver. 
       As duas desviaram o caminho e ordenaram suas barrigas falantes a calarem a boca do estômago, até que encontraram uma casinha de barro em estado terminal, com o telhado malfeito. Os sons vinham dos fundos do lugar, mas a boa educação dada pela mãe das moças não as deixou invadir a casa sem antes chamar pelo dono, quiçá dona, dela. Ninguém respondeu aos ôs-de-casa, e as duas correram para acudir as crianças, a etiqueta e a classe jogadas para cima.
       No quintal da propriedade, uma garotinha de mais ou menos quatro anos chorava e gritava pela mãe enquanto andava de um lado para o outro, tentando se aproximar da irmã. Esta, pobrezinha, era arrastada pelo braço por um porco selvagem preto, e já estava suja de lama de chiqueiro e de mato e de baba de porco e de sangue e de toda a imundície. 
       Dude afugentou o animal e tomou a criança nos braços. Ela não parou de chorar milagrosamente ao se aconchegar no colo, como seria de se esperar desses filmes que fazem madame da capital ficar emocionada. Ora, pois, a pequena tava toda estraçalhada por causa do bicho sem alma, aquele espírito de porco! Dude foi limpando aquela coisa miúda e magrela, que nem devia ter chegado aos sete meses de idade, e percebeu que ela tinha a mesma cor da lama que a cobria. Preta igual fundo de rio na cheia. Linda.
      Atrás dela, a irmã fazia cafuné nos cabelos da menina mais velha, e apontou para o horizonte. Uma mulher negra e magra vinha andando na direção da casa, com um sombreiro de palha furado na cabeça. Ela chegou até o cenário principal da história e tomou conhecimento do que tinha acontecido. Era a mãe das meninas. Até então.

sábado, 13 de outubro de 2012

Volta

Não me deixe só
Aqui, sentada,
Sem fazer nada,
Juntando pó

Aparece de novo
Pr'eu ver teu rosto
No canto da tela,
Pela janela

Diz tchau, ao menos,
Dê as costas
E meia volta
Pra me encontrar

Que todo canto
Tem teu encanto
E me faz feliz
Te ver chegar


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Infância de Joaquina

Numa terra distante
Na Chapada Diamantina
Nasceu filha de Dante
Vendedor de turmalina

A criança já veio predestinada
A ser mulher de fazendeiro
Casar, parir uma ninhada
Viver com muito dinheiro

Sua mãe, cozinheira de mão cheia,
Chorou ao ver a pequenina
Tomou-a dos braços da parteira
Nomeou-a Joaquina

Joaquina, muito sapeca,
Enrugava a face de Dante
Toda tarde largava a boneca
Pra se encontrar com o vigilante

Dona Carlota, sua mainha
Não sabia o que fazer
A menina, de manhãzinha,
Já dançava o balancê

Joaquina, tão pequena,
Fazia tudo na surdina
Seria mesmo uma pena
Não gastar a sola de sua botina

Chegou aos quinze desse jeito
Quando de casa partiu
Saiu de noite, estufando o peito
Mandou os pais pra puta que pariu


(Continua em "Mocidade de Joaquina")