domingo, 16 de dezembro de 2012

Água

Dizem que água sempre é água
Não importa se é gelo, geladinho, picolé
Dizem que água, se derrete
Faz a gente escorregar
Quando passa debaixo da sola do pé

Água serve pra dar banho
Água sai de olho castanho
E de olho esverdeazul (muito mais) também

Água pura, quando esquenta,
Faz a gente perceber o que acorrenta
E que não dá pra ser refém

Sendo pura,
Se mistura
Impurece
Apodrece
Desfigura

Sendo impura,
Se aventura
Escurece
E amanhece
Com brandura


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Nobel

Já em tempo de criança,
Decidi ser gente grande
"Vai que, um dia, isso desande?"
"E eu não alcance a cobrança?"

Num minuto, virei doutora
De pediatra a neurocirurgiã
Do balanço da árvore pro divã
Numa velocidade assustadora

Morar no estrangeiro
Falar inglês, francês e alemão o dia inteiro
Viver entre tiros e flexas de tribos

Ter a vida em risco
Cuidar, tratar e curar sem quebrar meu menisco
O azar de viver "sentigo"

Depois de tudo voltar pra casa
Com uma descoberta espetacular
Todos espantados com minhas asas
Eu imponente, a voar

Hoje não quero saber mais disso
Quero uma vida boa, baiana
Nem que seja com um reboliço
Nem que eu tenha de comer banana

E que fique claro como mel:
Vida boa não é vida rica!
Já pensei em ganhar o Nobel
Mas vou criar uma jaguatirica


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Inefável


Metrô

Aconteceu tudo ontem,
Depois que eu te disse tchau,
Subi as escadas e esperei o trem,
Eu, as lombrigas e o mingau

Escutei teu sorriso de longe
Ao te ver de costas a andar
Fiz o riso preencher cada espaço
Que estivesse vazio, naquele lugar

Hoje mesmo, eu vi acordar
Em teu rosto o que quero no futuro
Desculpe se não concordar
Mas vai ser assim, eu juro

Quem diria, mudei de ideia
Quando lembrei daquele rapaz
A imagem atravessou minha traqueia
Os pulmões se encheram de lilás,
A cor do dia,
Lá na estação

Cabelos, mãos, mãos nos cabelos
Olhos, meus e dele, pelo meio
Do caminho

Pernas a cruzar e descruzar
Aumentando meu anseio
Por carinho

Dentes a sorrir e se esconder
Em lábios contidos
Envergonhados

Braços e joelhos, pés a torcer
Uns sobre os outros
Em quatro sapatos


Desculpe, meu amor,
Mas estou apaixonada
Pelo cara do metrô

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Namoradeira

Já tive muito namorado nessa vida

Teve um loiro austríaco
Teve devoto do zodíaco
Teve um que era cardíaco
Deus me livre, um era maníaco!

Já namorei oriental
Soquei um que era boçal
Outro me fez ir só pro carnaval
Depois de uma traição "federal"

Namoro de mais de ano
Namorei Fulano, Cicrano, Beltrano
Um pequeno, quase nano
Um tão grande,
Que não parecia ser humano

De menos de uma semana
Acabado pela vida cigana
Pensei em namorar até uma fulana
Juro e lamento: um foi só pela grana

Por conta disso me chamaram de imunda
De piranha, de insensível, de vagabunda
Começava domingo, eu terminava segunda
Gostava de dar chute na bunda

Já tive muito namorado nessa vida
Tudo pra, só um pouquinho, me sentir acolhida
Não me orgulho de ter causado tanta ferida
Tudo que eu não queria era estar comprometida

Já tive muito namorado nessa vida
Nenhum era você.




domingo, 11 de novembro de 2012

Fotúmes

Sei que nunca foi assim
Mas já aconteceu antes
Antes de chegar ao fim
Você quis usar adoçante

Não precisa se explicar
Eu entendo sem você dizer
Alguém lhe tirara o ar
Arrancou de mim
Esse prazer

Prefiro imaginar que sou
A primeira pessoa da fila
A ver que na verdade vou
Ter overdose de chá
De camomila

Já tem um tempo que roubei
Uma foto velha do teu álbum
Posso dizer, quase chorei
Porque vi, estampado,
Personificado, amado...

Guardei a bendita pra ajudar
Que minha memória às vezes falha
Um dia, talvez, eu a use
Pra acender meu cigarro
De palha

Mas, por enquanto, ela fica ali
Quieta que nem carne no sol
Esperando pr'eu abrir
A caixa, fisgar o anzol
E ver

Sem mim, a felicidade
Sem nós, o que já te fez sentir
Saudade

Você, tão lindo
Ela, sorrindo

domingo, 4 de novembro de 2012

Desparafusa

Mandei um japonês criptografar
Um livro que eu queria esconder
De quem me faz ser par
Sem me tornar clichê

Pra combinar com seus olhinhos
A boca estrangeira quis se calar
Costurou com carinho
Os lábios de um czar

Nem bem terminou o trabalho
Fui ficando um tanto aperriada
Não se esconde em retalho
O que pode virar piada

O japa disse: "Pois fale primeiro!"
Respondi que assim não pode ser
Sou mais orgulhosa que cangaceiro
Nem disse que era esse o porquê

Como pizza do meu sabor favorito
Estremeço de pensar em ti a morrer
Contigo minhas ideias fazem sentido
Que nem vasilha e bidê

Prego na parede não mais adianta
Quero bucha e parafuso pra aguentar
Cortina improvisada com manta
Suspiros depois do jantar

Escrevo como se tivesse encontrado
Uma maneira certa de te dizer
Continuo falando tudo errado
Pra você não me entender

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Passado

Poucos sabem, fui mimado
Em berço de ouro fui criado
Beijos e abraços eram rotina
Sombra protegia minha retina

Poucos sabem que me rebelei
Perdi a noção do que já usei
Praças e túmulos abrigavam
Os segredos que se criavam

Poucos sabem o que passou
Ninguém viu que agora sou
As sobras de um consórcio

Você saberá daqui a pouco
Que meu canto já está rouco
E eu topo qualquer negócio

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nuvem Escura

Parece que vai chover
Turista chora de tristeza
Roceiro vai agradecer

O chão tá de boca aberta
Que água caindo na certa
Faz tocar o acordeão

Ventania sacode o ipê
Trovão faz terra tremer
Manda embora calmaria

Pássaro corre pro ninho
Moleque sai de fininho
Toma banho de alegria

Depressão Súbita

Acabei de ter dois minutos de depressão. Pensei no meu suicídio, nos meus pais chorando e na cerimônia religiosa cafona que me fariam passar só porque morri. Veio tu na cena, com a cara mais pra lá que pra cá, e eu pisquei. Num instante vi minhas unhas, cheias de manchas brancas e pensei:
Que mentirosa!
A minha vida tem felicidade pra mais de metro.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Escuro

É o quarto de manhã
Escurinho, quieto
Quando completo
Meu velho talismã

É o fundo do cofre
No final do mês
Quando toda vez
A barriga sofre

Escuro fica você, fica um breu só
Parece que não vou mais te ver
Parece que vai dar um nó

Sombra te faz achar que consume
Mas eu te digo que vou clarear
E encher teu cabelo de vagalume

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Encontrando Júlia

      Cirila estava com sua irmã, as duas pelo caminho de terra da roça de Chiquinho Galheiro, sedentas para chegar em casa. O sol já estava alto, não que fosse um problema para as jovens, pelo contrário. Era sinal de que o almoço já estaria na mesa quando chegassem, seus noivos sentados na mesa comprida de madeira velha e desgastada de cupim. Ninguém saberia de quem estou falando se eu contasse uma história sobre Cirila. Seu nome era desconhecido por motivos que só quem mora em uma cidade pequena conseguiria entender. Dude, Cirila de RG, pisou em falso e fez um silêncio de medo, daqueles que se seguram no ar para recuperar o equilíbrio. Foi aí que pode escutar um choro vindo do seu ouvido direito. Pediu pra irmã se aquietar e escutar aquilo junto com ela. Eram duas crianças. Uma gritava, outra chorava e algum animal fazia um som aterrorizante, quase como se fosse um filme de terror daqueles que sua bisneta iria sentir tanto medo de ver. 
       As duas desviaram o caminho e ordenaram suas barrigas falantes a calarem a boca do estômago, até que encontraram uma casinha de barro em estado terminal, com o telhado malfeito. Os sons vinham dos fundos do lugar, mas a boa educação dada pela mãe das moças não as deixou invadir a casa sem antes chamar pelo dono, quiçá dona, dela. Ninguém respondeu aos ôs-de-casa, e as duas correram para acudir as crianças, a etiqueta e a classe jogadas para cima.
       No quintal da propriedade, uma garotinha de mais ou menos quatro anos chorava e gritava pela mãe enquanto andava de um lado para o outro, tentando se aproximar da irmã. Esta, pobrezinha, era arrastada pelo braço por um porco selvagem preto, e já estava suja de lama de chiqueiro e de mato e de baba de porco e de sangue e de toda a imundície. 
       Dude afugentou o animal e tomou a criança nos braços. Ela não parou de chorar milagrosamente ao se aconchegar no colo, como seria de se esperar desses filmes que fazem madame da capital ficar emocionada. Ora, pois, a pequena tava toda estraçalhada por causa do bicho sem alma, aquele espírito de porco! Dude foi limpando aquela coisa miúda e magrela, que nem devia ter chegado aos sete meses de idade, e percebeu que ela tinha a mesma cor da lama que a cobria. Preta igual fundo de rio na cheia. Linda.
      Atrás dela, a irmã fazia cafuné nos cabelos da menina mais velha, e apontou para o horizonte. Uma mulher negra e magra vinha andando na direção da casa, com um sombreiro de palha furado na cabeça. Ela chegou até o cenário principal da história e tomou conhecimento do que tinha acontecido. Era a mãe das meninas. Até então.

sábado, 13 de outubro de 2012

Volta

Não me deixe só
Aqui, sentada,
Sem fazer nada,
Juntando pó

Aparece de novo
Pr'eu ver teu rosto
No canto da tela,
Pela janela

Diz tchau, ao menos,
Dê as costas
E meia volta
Pra me encontrar

Que todo canto
Tem teu encanto
E me faz feliz
Te ver chegar


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Infância de Joaquina

Numa terra distante
Na Chapada Diamantina
Nasceu filha de Dante
Vendedor de turmalina

A criança já veio predestinada
A ser mulher de fazendeiro
Casar, parir uma ninhada
Viver com muito dinheiro

Sua mãe, cozinheira de mão cheia,
Chorou ao ver a pequenina
Tomou-a dos braços da parteira
Nomeou-a Joaquina

Joaquina, muito sapeca,
Enrugava a face de Dante
Toda tarde largava a boneca
Pra se encontrar com o vigilante

Dona Carlota, sua mainha
Não sabia o que fazer
A menina, de manhãzinha,
Já dançava o balancê

Joaquina, tão pequena,
Fazia tudo na surdina
Seria mesmo uma pena
Não gastar a sola de sua botina

Chegou aos quinze desse jeito
Quando de casa partiu
Saiu de noite, estufando o peito
Mandou os pais pra puta que pariu


(Continua em "Mocidade de Joaquina")

domingo, 30 de setembro de 2012

Despedida

Você esteve por aí
Vagando de mão em mão
Sem saber nem discutir
De onde vinha tanta bagunça

As horas não passavam
E os dias adiantaram o ponteiro
Porque tava marcado
De você acordar no meu travesseiro

Ah, dorme mais um pouco
Que eu fico aqui, quietinho
Sem fazer você me notar

Fica mais um pouco
Só até eu sentir sua falta
Antes mesmo de você me deixar

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Entulho

Quando eu quis saber da tua vida
E você com o papo de minha querida
Eu soube de cara
Tua cara lavada é o que eu quero pra mim

Você é o culpado por tudo
Você é o dono do entulho
Que o meu coração
Fez questão de guardar
Com tanto amor

Iê Iê Iê

Ô, mainha...

Eu ia ficar em casa
Mas o luá me chamô
E quando lua chama, mainha
Só me segura a muié de Xangô!

O dotô falô
Pra eu repousar
Dormir cedo pra acordá
Cinco hora da manhã...

Mas cinco hora, dotô
O forró mal começô!

E a cachaça de João
Na beira da praia, Iaiá
Faz Maria gritar "Ô, Jesus,
Também quero cair na gandaia!"


(forró arrochado)

Perigo

Tantos anos sem fumar, sem beber, sem foder, sem sair. Tantos anos de prevenção. Tantos anos planejando o que seria e como deveria ser. Tantos anos da defensiva! Mas hoje eu sei, meu caro, o que antes eu não sabia.

A vida é inofensiva.

Economia

Os anúncios de televisão
Anunciam a oferta da carne de segunda mão
Os jogadores de futebol
Jogam contra as taxas de colesterol

E as donas de casa, coitadinhas
Continuam a fazer as contas
Nas calculadoras de um Exu
Pra constatar cientificamente

Preço de banana é caro pra chuchu!

Sol que clareia a cortina
Luz que me abraça
De leve, esquenta a rotina
E o dia ganha mais graça

Vento que afasta os cabelos
Sustenta o pássaro no ar
Sopra pra longe o desespero
E fica mais fácil de encontrar

O que se perdeu
Tá no meio das penas
Na esquina da cidade pequena
Tá no teu cantar

O que se perdeu
Se escondeu
Nas bulhas da terra
E colore o teu olhar


(music)

Corre não

Deixa eu sumir nesse cobertor
Procurar um lugar pra mim
Entre o colchão e o teu calor
Onde eu possa ouvir clarim

Você entendeu desde o princípio
Que gaiola não é o lugar certo
Mas eu já tinha descoberto
E me jogara do precipício

Eu não encaixo nessa vida fácil
E me encaixo tão bem em você
Dava até pra prever
Só não é normal acontecer assim

Passado sempre foi predestinado
A deixar o presente existir
Mas pisa devagarinho
Pra passarinho não fugir

domingo, 23 de setembro de 2012

Moinho

Da primeira vez que eu te vi
Eu já pensei que a gente seria
A gente algum dia

Da segunda vez que eu te vi
Eu já sabia que seria logo
Mas não agora, assim

E depois de três vezes ver a tua cara
Eu queria ver a sua cara todo dia
Dizer que ninguém sorri que nem você sorria
Transformar teu cheiro em melodia

Mas lá vai teu cinismo correndo pra longe
E Cartola me canta o amor diferente
Do que eu pensava ser somente
Duas rimas escritas por acidente

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sagu

Na panela, elas estavam
Redondinhas, abraçadas,
Sussurrando entre si
Redondezas caladas

Tão lindas, tão fofinhas!
Que nem hemácias
Feito parede de igreja
Entupida de rosáceas

Umas gritavam
"É era de gulodice!"
Outras respondiam
Quietas, rolando

Ah, as bolinhas de sagu...
Tão lisinhas, tão rosinhas
Lembram tu!

domingo, 16 de setembro de 2012

Anagapesis II

https://www.youtube.com/watch?v=IBUq3NpYUYQ&feature=youtube_gdata_player

Eu quero te ligar
Eu quero te dizer
Volta aqui
E escuta dessa vez

Não vou mais explicar
Eu não vou mudar
A não ser
Que seja por você

Não diz que vai
Sumir de mim
Eu ainda quero, amor
Que o fim não seja hoje

Não me dê as costas
Ainda sobra tempo
Pr'eu te provar de vez
Que a gente nunca se desfez

Canta pra mim
Diz o que se passou
Quando eu
Estive fora

E diz que isso passou
Que você voltou
E agora
É a nossa hora

Não conta a verdade
Me embala na tua dança
A minha vaidade diz
Paixão é pra criança

Me traz de volta
Olha pra dentro de mim
Meu peito não suporta
Deixar de sentir

Nada estará perdido (Nós estamos perdidos)
Até você me encontrar (Presos nesse lugar)

Me dê razão
Mais uma vez




(music)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Manhã de domingo

                 Bom dia, doutora. É, tem um tempo que a gente se viu desde a última vez. Meu avô tá bem daquele jeito mesmo, arrumou um doutor por lá. Ah, ele não mora mais aqui, não. Tô só, sim. Claro que eu sinto falta, mas é a vida. Tô fazendo Biologia na federal. É, essa greve vai, não vai, ferra com todo mundo. Tô namorando, sim, claro. Ah, não! Ela não. É uma menina da Agronomia. Tamo bem. Por que que eu.. ah, sim...
                  É, doutora, eles não foram embora. Eu pensei que tinham ido, mas não foram. De vez em quando, eu me esforço para olhar meu rosto no espelho e minha barba começa a crescer e crescer e crescer, vira um monte de serpentes que sibilam no meu ouvido ruim e depois somem. PUF! Do nada. Parecem de verdade mesmo, mas eu sei que essas coisas só acontecem em filme e em cabeça de doido.
                 A mulher? Poxa, ela aparece todo dia também, mas eu não queria que ela fosse embora. Ela é de boa. De vez em quando eu tenho a certeza de que ela é um prolongamento da minha consciência. Faz bem conhecer a minha mente, né?
             E agora tem gente nova aparecendo. Tem um rapaz magrelo de blusa listrada que me pergunta as horas toda vez que passo por ele. Deve ser pra eu não esquecer que o tempo passa. E a gente definha. E os amores morrem. E qualquer dia vão me encontrar afogado no próprio vômito.

sábado, 11 de agosto de 2012

Pra quem escrevo

Pra tu mesmo, que não me lê. Pra tu, que não vê erro nenhum no que escrevi agora. Pra tu, que já tá no sétimo sono, e nem nove da noite deu ainda, porque amanhã cedo tem que acordar pra Deus ajudar.
Porque já chega de gente que escreve pra quem lê demais. Não aguento mais um bando de palavras complicadas pra agradar ao encultecido.
Arte continua sendo arte pra quem não sabe o que cargas d'água é um Caravaggio.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Morreu

Cada pedaço de mim que carregava um pouco de você.
Dá pra encontrar tudo ali, entupindo o ralo do banheiro.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Ornitorrinco

         Nem venha pensando que eu vou deixar essa vida de inspiração. Agora tenho uma fonte que não seca nunca. Jamais, melhor dizendo, pra agradar teus olhos. Sei que tu gosta dessa palavra. Mas eu não quero sair por aí, espalhando onde foi que eu achei a fonte. Talvez porque não sei, talvez porque não tem porra de fonte nenhuma. Eita, que eu tô com uma boca suja do caralho, não cai bem pra uma moça de família, filha da madame da cidade, neta do coronel mais temido da região e sobrinha do empresário mais bem sucedido do sisal falar uma coisa dessas. É feio demais, gente.
          Pois bem, vou me aquietar com esse negócio. Já pedi a mão do mocinho, já aprendi a fazer acarajé, larguei de assistir curtas no computador. Abri todas as janelas da casa, botei o velho pra fora da cama, falei "vai trabalhar, vagabundo" e saí espalhando fumaça cheirosa pelos corredores pra espantar muriçoca. 
           A vizinha já ohou torto pra mim, a caixa da padaria reparou que uso sete anéis e o padeiro viu o cabelo verde quando virei de costas. Os carros de som abaixam o volume quando passam por mim, senão a promotora manda todo mundo pro xadrez. Ninguém é doido de bulir com a galega de Brasília (porra nenhuma) de um metro e oitenta, contando com o salto do coturno. Essa falsa baiana de Gal, que não faz ninguém gritar "viva a Bahia" quando entra na roda, silencia quando abre a boca pra falar. A voz rouca, grave e forte deixa os neguinhos requebrentos confusos ao dizer

"Coloca um heavy metal que eu quero sambar até o amanhecer."

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Preguiça

Mantra

Eu sou sorrir
Que eu não quero saber de chorar
Eu vou sorrir
Que eu não quero mais saber de chorar, não
Eu vou sorrir
Que não quero saber de sangrar
Não
Vou sorrir
Não quero saber de chorar
Chorar vai me dar pé de galinha
Vida alegre tem que ser vida minha

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Eduarda em Mônaco

Vou avisando pra você
O que eu preciso tá lá fora
Eu vou dar uma de rebelde
Já fiz as malas, vou embora

Meus pais já se livraram de mim
Que eu tirei um pedaço de você
Minha mãe chorou sem motivo
Eu tô perdendo o meu dendê

Ah, honey, mon amour
O que eu sinto é maior do que eu
Deus sabe que eu sou obediente
E tomo tudo o que doutora me deu

Ah, honey,mon amour
Eu quis falar e nem abri a boca
Deus sabe, é quase certeza
Que eu to ficando louca

Eu te prometo que eu tento
Eu juro que eu te empresto o meu coração
E quanto mais eu alucino
Mais eu sei que esse mundo tá são

Hoje é o meu dia, nem vem
Eu nem te conto o porquê
Essa é a minha noite
Toma cuidado, a presa é você


Ah, honey, mon amour
O que eu sinto é maior do que eu
Deus sabe, eu sou tão obediente
Ao remédio que doutora me deu

Ah, honey,mon amour
Eu quis falar e nem abri a boca
Deus sabe, ele tem quase certeza
Ai, eu to ficando louca


(music)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bahia

Nunca vou. Volto.

Vai.

Deixa disso de gostar de mim, rapaz
Que eu tô em tudo que é esquina
Tua voz não supera minha sertralina
E tu sabe que não sou de viver em paz

Vai embora e te deixa inteiro
Que pensar em servir de jardineiro
Esperando flor desabrochar
É maluquice maior que me desafiar

Larga dessa história
Que paixão é pra criança
Mas me embala na tua dança

Larga desse vício, moreno
Cumpre o teu ofício vulgar
Que baiano é bicho folgado
Não quer saber de rimar

domingo, 20 de maio de 2012

Chuva

As rugas do velho ficam mais profundas ao acordar de madrugada, olhando pra lua e a noite, tão estrelada! Boa pra turista.
A velha tem sono leve e corre atrás. Arruma um espaço no varandado, longe do marido. Cafanga e cospe no chão. Noite estrelada não é boa coisa no sertão.
O vestido amarelo remendado de algodão volta pra cama, puxa um terço de baixo do travesseiro e reza. Mas no santo reino da telenotícia, nordestino é bicho sem solução. Tem mais é que aprender que essa terra é ruim, é ingrata. Dá toda a felicidade do mundo. Dá todo o amor que quem debandou pras terras de baixo deixa pra trás. E pede, fica mais um pouco! Que amanhã a noite é escura, a nuvem vai cobrir a lua.
E de manhã teu choro vai molhar o chão.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sem lenço e com documento

Essa semana minha mãe
Mãe minha, mainha
Deixou de comprar farinha
Pr'eu ficar longe dela

Essa semana minha mãe
Mãe minha, mainha
Deu uma de donzela
Deixou pura a panela de arroz com feijão

Mês que vem vai melhorar
Mas quando dá pra piorar
Pede pra São Pedro, que chove no São João
Pede, que isso é vida de cão

Riacho grande, Riacho Fundo
Riacho que prende minhas mãos
Essa menina das perna comprida
Dizem que é de Jacobina
Mas ela diz "não é bem isso não"

Eu sou de Riachão

(music)

Poleiro

Me traz de volta
Coloca meus pés no chão
Me traz de volta
Diz que se importa
Diz que não

Me deixa voar
Livremente, levemente por aí
Me deixa voar
Me deixa cantar o que você não quer ouvir

(music)